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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Canção prá inlges ver


O sistema processual penal brasileiro é considerado por muitos um sistema acusatório, no entanto não podemos concordar com tal afirmativa, pelo contrário entende-se tratar de um sistema processual inquisitivo em sua essência. Deve-se antes de tudo compreender e definir a própria palavra “sistema”, que nesse viés seria um “conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto.”

O sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado, é um sistema típico dos países democráticos. Da mesma forma que no Estado totalitário em que a repressão é o pilar basilar, havendo supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema acusatório encontra sua morada.

Um dos principais ranços inquisitivos talvez esteja na prisão preventiva, pois em um Estado dito Democrático ninguém poderia ser preso sem o devido processo legal, onde seria averiguada a sua culpa e somente após sentença viria à punição. Evidentemente essa medida cautelar tem um objetivo que talvez a muito tenha sido esquecido, que é instrumentalização qualificada do processo, hodiernamente as prisões cautelares são justificadas e fundamentadas do periculum libertatis que é a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal; e do fumus comissi delicti, que é a existência do crime e indício suficiente da autoria. Ambas as características devem estar evidenciadas no caso em concreto. É importante relembrar que o clamor público não autoriza a prisão preventiva.

A função das medidas cautelares é tão somente garantir o normal funcionamento da justiça através do respectivo processo de conhecimento, ou seja, são instrumentos a serviço do instrumento processo; por isso sua característica básica é a instrumentalidade qualificada. Essa noção de instrumentalidade é fundamental, pois só é cautelar aquela medida que se destina a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional, em outras palavras as medidas cautelares não se destinam a fazer justiça!

Nesse momento vemos que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e, portanto essencialmente inconstitucionais, pois quando se mantém uma pessoa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, não se está protegendo o processo, mas sim servindo a uma função de polícia do Estado, completamente distante o objeto e fundamento do processo penal. É inadmissível em um Estado dito Democrático e com um processo dito acusatório as pessoas sejam presas e mantidas assim por meses, sem o devido processo legal, sem uma sentença, sob o argumento de perigo de reiteração de condutas delituosas. “Trata-se de (absurdo) exercício de vidência por parte dos julgadores, que até onde temos conhecimento ainda não possuem um periculosômetro (diria ZAFFARONI) à disposição” . Esse é um diagnóstico completamente impossível de ser feito, exceto para os juízes que possuem o poder de vidência e/ou bola de cristal, tornando-se assim flagrante a inconstitucionalidade, pois a única previsão possível através da Constituição Federal é a de inocência e ela permanece intacta aos atos futuros.

Uma das principais distinções em um sistema inquisitivo e o acusatório-garantista se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias. Porém, como refutar esse exercício de vidência por parte do magistrado? Como provar (como se o acusado tivesse que provar algo) que no futuro não irá cometer nenhum crime? Convenhamos que esse tipo de decisão, máxima vênia, é dotado de um alto grau de charlatanismo e um altíssimo grau de prepotência, ambos inadmissíveis em um processo minimamente democrático e constitucional. Alguns julgadores mais compromissados com uma política criminal coerente, não admitem essa postura, podendo citar o festejado Desembargador Amilton Bueno de Carvalho que já proclamou em suas sentenças: “A futurologia perigosista, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva – que, desde muito, têm demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regime políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) – tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito – considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrair-se – torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social.”

Tamanha e tão concreta é a situação que dia 04/01/2010, dentro da listagem de pessoas detidas no Presídio Hildebrando de Souza em Ponta Grossa era 419 presos, destes, 394 são prisões preventivas (só neste presídio, desconsiderando as delegacias), ou seja, se considerarmos a população de Ponta Grossa 300 mil habitantes, teremos uma média de 131 presos (preventivos, ou seja, sem o devido processo legal e sentença condenatória) para cada 100 mil habitantes. Como podemos admitir que pessoas sejam presas por meses sem um julgamento? Sem nem ao menos com argumentos pautados constitucionalmente dentro de um sistema acustário-garantista? Como permitimos que pessoas que não são consideradas culpadas pelo Estado, sejam tratadas de maneira muito mais desumana (o Presídio Hildebrando de Souza vive constantemente o problema da superlotação, ao contrário do Presídio Estadual de Ponta Grossa onde fica a maioria dos presos condenados) que aqueles que são condenados? E no final como podemos dizer (sem rir) que nosso sistema processual penal é acusatório? Se for, é apenas no sonho de alguns doutrinadores (pois nem no “papel” é) para os outros verem o que não somos, como uma canção pra inglês ver.



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