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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Desigualdade social

Paulo Passarinho


Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura; mentira, repetida inúmeras vezes, se transforma em verdade; ou, hegemonia também se constrói através do discurso, especialmente pela sua própria repetição foram algumas das sentenças que me vieram à cabeça quando li um recente artigo de Caetano Veloso. No texto, o artista, se declarando eleitor de Marina Silva, escreveu que entre Serra e Dilma ficaria com a candidata lulista, "porque ela defende a independência do Banco Central".

Uma amiga me explicou que é natural que seja assim, pois, se assim não for, o Banco Central fica subordinado aos políticos, sempre muito corruptos ou irresponsáveis. Ponderei que a solução da "independência" significa colocar o Banco Central sob comando dos bancos privados, principais beneficiários do modelo e da política econômica. Além de serem os principais financiadores dos tais políticos que não prestam...

Acho que deixei a minha amiga com uma pulga atrás da orelha, mas atentei para a força que determinadas "verdades", exaustivamente repetidas pela mídia dominante, exerce sobre todos nós.

E me ocorreu um outro fenômeno, ora em curso: acho que ninguém mais atenta, se importa ou acredita que continuamos submetidos a um modelo econômico totalmente controlado pelo sistema financeiro, e nocivo ao povo e à nação brasileira.

A razão desse fenômeno se relaciona a algumas versões construídas durante esses quase oito anos de governo Lula.

Desenvolvimentismo e distribuição de renda passaram a ser as maiores características de um "novo modelo" que teria se implantado no país. Marcio Pochmann, atual presidente do IPEA, em artigo publicado no O Globo, chegou a escrever que "nos últimos anos o Brasil passou a acusar importantes sinais de transição para o modelo social-desenvolvimentista".

Desenvolvimentismo deve ser traduzido por taxas de crescimento da economia, que nos teria retirado da estagnação econômica, marca deixada por nossa história econômica, de 1980 para cá.

O exame, contudo, das taxas de crescimento do país entre os anos de 2003 e 2009 não nos permite aceitar tanto otimismo. Nesse período, de acordo com dados oficiais e estudos do professor Reinaldo Gonçalves, o país cresceu a uma média de 3,5%. Esse resultado, primeiramente, nos coloca ainda muito distantes da média histórica de crescimento do PIB brasileiro. Entre 1890 e 2009, a taxa média de crescimento real foi de 4,5%. Entre 1932 e 1980, essa taxa chega a 6,8%.

Não restam dúvidas que houve mudanças no ritmo do crescimento econômico do país em relação ao governo anterior, de FHC, quando essa taxa média foi de apenas 2,3%. Mas, o próprio Reinaldo Gonçalves nos pondera que de 2003 a 2008 tivemos uma conjuntura internacional extremamente favorável. Nesse período, a renda mundial cresceu à taxa média real anual de 4,2% e o comércio mundial a uma taxa anual de 7,2%. Mesmo incluindo o ano de crise de 2009, essas taxas ficam respectivamente em 3,6% e 4,3%.

O resultado que alcançamos, assim, em termos da participação do Brasil na economia mundial, poderá surpreender a muitos: em 2002, tínhamos uma participação de 2,81% no PIB mundial, e agora, em 2009, representamos 2,79% da produção mundial.

Em termos mais diretos, esses dados nos mostram que, em comparação com os outros países, nós crescemos menos do que a maioria desses, não nos aproveitando a contento de uma conjuntura internacional extremamente favorável.

Mas, e a distribuição de renda?

Esse é um outro assunto que merece maior atenção do que as manchetes de jornais nos sugerem.

Primeiramente, de acordo com os dados da PNAD, existe uma melhor distribuição de renda entre aqueles que vivem de rendimentos do trabalho - salários, diárias, renda de autônomos. A PNAD capta com mais precisão esse tipo de rendimento, não cobrindo de forma adequada rendimentos típicos dos capitalistas, especialmente juros e lucros. Entretanto, esse é um processo que vem sendo observado desde 1995 e se associa a vários fatores: forte redução dos índices inflacionários; reajustes reais do salário-mínimo, programas de transferência de renda e a extensão de direitos da seguridade social.

A evolução do salário mínimo real, a partir de 1995, nos dá uma clara idéia desse processo. De acordo com o Dieese, e tendo o salário mínimo de julho de 1940 como referência para um índice igual a 100, em 1995 tivemos o mais baixo valor da história, com o índice de 24,53. Em 2003, esse índice já havia se recuperado, chegando a 30,70 (elevação de 25,15%, em relação a 1995), e em 2008 alcançou a 42,75 (elevação de 39,25%, em relação a 2003). Desse modo, entre 1995 e 2008, o crescimento real do valor do salário-mínimo foi de 74,28%, continuando a sua trajetória de elevação real até hoje, em 2010.

Mas, além desse importante dado sobre o salário-mínimo, tivemos o crescimento do emprego formal. O governo tem se utilizado dos dados do Caged - Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho - para a divulgação de dados recordes de geração de empregos no país. Contudo, o que não se divulga com tanto estardalhaço é que os saldos positivos na geração de novos postos de trabalho no país ocorrem exclusivamente até a faixa salarial correspondente a dois salários-mínimos. A partir da faixa salarial entre dois e três SM's, o saldo de vagas é negativo. Não há, portanto, saldo positivo na geração de empregos nas faixas salariais acima de dois salários.

Esse fenômeno pode nos ajudar a entender os dados de um estudo do IPEA que apontou que, entre 2002 e 2008, trabalhadores brasileiros mais qualificados (na verdade, com mais de 9 anos de estudo) tiveram, na média, queda nos seus rendimentos. Esse estudo aponta que nas ocupações que exigem um nível de escolaridade acima de onze anos, por exemplo, houve uma redução no salário médio de mais de 12%, neste período considerado.

Dessa forma, muito antes de festejarmos a criação de uma nova classe média ou a ascensão de milhões a uma nova classe social, o que devemos admitir é que temos reduzido de fato o número de miseráveis.

E, principalmente, em função da extensão de mecanismos de crédito aos mais pobres - com prazos de pagamento extremamente elásticos, além de taxas de juros que garantem altíssimas rentabilidades aos financiadores -, houve um aumento do consumo de bens duráveis para uma imensa parcela da população.

Neste contexto, mecanismos como o crédito consignado ou a ampliação da oferta dos serviços de cartão de crédito, estimularam esse tipo de consumo, através principalmente do aumento do nível de endividamento das famílias.

Confundir esse processo em curso com o fortalecimento da classe média, me parece uma grosseira simplificação. O propalado crescimento da chamada "classe C" - para estudos veiculados pela FGV-RJ, e com ampla repercussão na imprensa (para muitos, golpista) brasileiros com uma renda familiar de R$ 1.200,00 já estariam classificados nessa categoria! - deveria ser analisado com mais critério e cuidado.

E, antes de chegarmos a conclusões rápidas ou superficiais, sobre um processo de real melhoria da distribuição de rendas - incluindo os capitalistas, é claro - no Brasil, é importante assinalar que mantemos uma das estruturas tributárias das mais regressivas do mundo. E, ao mesmo tempo, a política fiscal praticada pelo governo - onde no ano passado, por exemplo, mais de 35% do Orçamento Geral da União se destinaram ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública - privilegia, de forma escancarada, aos mais ricos.

Por tudo isso, prefiro ficar com as palavras de Jessé Souza, coordenador do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade Social da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro A Ralé Brasileira. Em recente entrevista, ele afirmou: "Esses índices mostram apenas que a pobreza absoluta diminuiu. Mas a desigualdade é um conceito relacional. O Brasil é uma das sociedades complexas mais desiguais do planeta. Entre 30% e 40% de sua população tem inserção precária no mercado e na esfera pública. Somos uma sociedade altamente conservadora, que aceita conviver com parcela significativa da população vivendo como "subgente". Essa c lasse social, que chamamos provocativamente de "ralé", é a mão de obra barata para as classes média e alta que podem - contando com o exército de empregadas, motoboys, porteiros, carregadores, babás e prostitutas - se dedicar às ocupações rentáveis e com alto retorno em prestígio. É isso que chamo de "desigualdade abissal" como nosso problema central".

Desigualdade abissal que - sem uma profunda alteração do modelo econômico em curso, com uma total alteração da política econômica dos banqueiros - não será alterada.



Paulo Passarinho é economista e presidente do CORECON-RJ

quarta-feira, 23 de junho de 2010

IBGE: 35,5% dos brasileiros não têm alimento suficiente


IBGE: 35,5% dos brasileiros não têm alimento suficiente

A fome zero ainda não é realidade no Brasil, embora o acesso das famílias brasileiras à comida tenha aumentado significativamente em sete anos. Ainda que 35,5% das famílias vivam em situação de "insuficiência da quantidade de alimentos consumidos", segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009, o porcentual é bem inferior ao apurado na pesquisa anterior, referente ao período 2002/2003, quando os alimentos eram insuficientes para 46,7% das famílias consultadas.





No Norte, mais de 50% das famílias ainda não comem o que necessitam. Mas houve redução da fome em todas as regiões brasileiras. Os destaques ficaram com o Sudeste - onde os alimentos eram insuficientes para 43,4% das famílias em 2003, enquanto em 2009 essa situação baixou para 29,4% - e o Norte (de 63,9% para 51,5%).





Apesar de comerem mais, as famílias brasileiras ainda não conseguem escolher sempre os alimentos consumidos. Apenas 35,2% delas consomem sempre os alimentos "do tipo preferido", enquanto 52% nem sempre conseguem comer o que querem. Outras 12,9% das famílias "raramente" consomem o tipo preferido de comida.

Progressão para semiaberto não dá direito automático a visita ao lar, esclarece 2ª Turma






A progressão de regime de reclusão do fechado para o semiaberto não implica automaticamente na concessão de outros benefícios, como a autorização de visita periódica à família. Com base neste entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 102773) a Elton Gago da Costa, condenado a 22 anos de reclusão em regime inicial fechado por latrocínio (roubo seguido de morte).



Desde 24 de setembro de 2008, Elton cumpre sua pena em regime semiaberto. Ele requereu autorização para fazer visitas periódicas ao lar, mas o pedido foi negado em primeiro e segundo graus de jurisdição, sob o argumento de que ele estava no regime semiaberto há pouco tempo, por isso havia o risco de sua saída temporária servir como estímulo para eventual fuga.



Foi impetrado habeas corpus no STJ, que também negou o direito. No Supremo, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro alegou, sem sucesso, que se o apenado foi considerado apto a ingressar no semiaberto, é porque está dotado de responsabilidade. A Defensoria alegou que a gravidade do delito, por si só, não pode servir como fundamento para se negar direito, assim como a longevidade da pena e a possibilidade abstrata de evasão, sem a apresentação de dado concreto que a motive.



Para a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, o fato de o paciente ter sido beneficiado com a progressão de regime não leva automaticamente à concessão de outro benefício, no caso o de visita à família. “É o juízo de execuções criminais que deverá avaliar, em cada caso, a pertinência e a razoabilidade da pretensão, observando os requisitos objetivos e subjetivos do paciente”, afirmou a ministra relatora.



Segundo Ellen Gracie, informações do juiz de direito da Vara das Execuções Criminais do Rio de Janeiro dão conta de que o apenado obteve progressão, mas só obterá lapso temporal para livramento condicional em 13/06/2019, estando o término de sua pena previsto para 2026. O juiz considerou “temerária” a concessão do benefício, tendo em vista o requisito previsto no inciso III do artigo 123 da Lei de Execuções Penais, que preceitua a necessidade de análise da compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.



O juiz justificou sua decisão afirmando que “a reprimenda penal possui como objetivo precípuo, além do caráter de prevenção geral e repressão a prática de crimes, a ressocialização do indivíduo visando torná-lo adaptado ao convívio em sociedade, dissuadindo-o da prática de condutas perniciosas a terceiros e aos bens relevantes juridicamente tutelados na esfera penal”.



A ministra Ellen Gracie citou trecho da decisão do juiz no sentido de o indeferimento da visita periódica ao lar (VPL) não representar a transformação do regime semiaberto em fechado. A ministra relatora acrescentou que para que o STF reverter esta decisão, seria necessário rever fatos e provas, o que não é possível em sede de habeas corpus. “O pedido de visitas temporárias ao lar exige essa análise”, afirmou.



Ao acompanhar a relatora, o ministro Celso de Mello afirmou que o ingresso no regime penal semiaberto é apenas o pressuposto que pode, eventualmente, legitimar a concessão das autorizações de saída, em qualquer de suas modalidades – permissão de saída ou saída temporária –, mas não garante, necessariamente, o direito subjetivo à obtenção desse benefício”, concluiu. A decisão foi unânime.



VP/CG

terça-feira, 22 de junho de 2010

HC sustenta “adequação social” para pedir absolvição de donos de casa de prostituição

Segunda-feira, 21 de junho de 2010




Sob alegação de que “a tolerância social e ausência de dano ou de perigo de dano a valores da comunidade tornam atípica a conduta de manter casa de prostituição”, a Defensoria Pública da União (DPU) pede liminar no Habeas Corpus (HC) 104467, para manter a absolvição de A.F.M. e J.S., donos de uma casa de shows na cidade praiana de Cidreira (RS), denunciados pelo crime previsto no artigo 229 do Código Penal (CP).



Os donos do estabelecimento foram absolvidos em primeiro grau e, também, pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas o Ministério Público estadual (MPE) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou ao juiz de primeiro grau que redija outra sentença. Recurso de agravo regimental interposto pela defesa dos empresários contra essa decisão teve provimento negado pela Corte Superior.



No HC impetrado no Supremo, a DPU pede a suspensão, em caráter liminar, da decisão do STJ até decisão final do HC. No mérito, pede que seja confirmada essa decisão.



Prós e contras



Ao absolver A.F.M. e J.S., o juiz de primeiro grau fundamentou-se no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o juiz pode absolver o réu, quando o fato de que ele é acusado não constituir infração penal.



O juiz explicitou seu entendimento ao observar que, “embora tipificada, a conduta dos réus, quando envolve prostituição de maiores, vem sendo descriminalizada pela jurisprudência, em virtude da liberação de costumes”.



No mesmo sentido se pronunciou o TJ-RS. “Inviável a condenação dos acusados por esse crime, pois, conforme entendimento jurisprudencial, viável a aplicação do princípio da adequação social, que torna o fato materialmente atípico”, observou o tribunal, em seu acórdão.



“Assim, embora certa a autoria do delito, a absolvição dos réus deve ser mantida, pois o fato não ofende a moralidade pública, tratando-se de conduta aceita pela sociedade atual, inexistindo, portanto, justificativa para manter a criminalização dessa situação”.



Ao determinar a prolação de nova sentença, o STJ lembrou que aquela Corte “firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal”.



Adequação social



Em defesa dos donos do estabelecimento, a DPU invoca o princípio da adequação social, concebido pelo jurista e filósofo do direito alemão Hans Welzel. Os defensores públicos adotam o entendimento de que, apesar de uma conduta se subsumir ao tipo penal, é possível deixar de considerá-la típica quando socialmente adequada, isto é, quando estiver de acordo com a ordem social.



“Realce-se ser inegável que a sociedade evoluiu, sobremaneira, no que se refere ao pudor e à quebra de paradigmas atinentes à conduta sexual”, afirma a DPU. “Noutras palavras, verifica-se um menor nível de censura relacionado à existência de casas de prostituição. Em síntese, o senso comum indica que o corpo social, majoritariamente, tolera a existência delas”.



A Defensoria destaca, porém, que desse entendimento estão nitidamente excepcionadas, em jurisprudência firmada pelo STJ, as hipótese de exploração sexual de crianças e adolescentes (artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), o rufianismo (artigo 230 do CP) e o favorecimento da prostituição (artigo 228 do CPP), “em relação aos quais a sociedade expressa total repugnância”.



Concluindo suas alegações, a DPU sustenta que, “embora ainda figure no Código Penal vigente – este dos idos de 1940 –, a conduta a que se refere o seu artigo 229 (casa de prostituição) deixou de ser vista à conta de delituosa. E deixou de sê-lo porque se trata de um conceito moral reconhecidamente ultrapassado que já não tem mais como se sustentar nos dias atuais”.



O HC 104467 tem como relatora a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O que é DEMOCRACIA!

ALTERGLOBALIZAÇÃO

O que é, afinal, a democracia? 1

É preciso questionar a democracia para podermos reiventá-la e não permitir que seja pervertida pelo poder econômico e financeiro que não é nem eleito pelo voto popular nem controlado pelos cidadãos



José Saramago

Em seu livro Política2, Aristóteles começa por nos dizer o seguinte: “Na democracia, os pobres são reis porque são mais numerosos e porque a vontade da maioria tem a força da lei”. Numa segunda passagem, ele parece começar por restringir o alcance dessa primeira frase, em seguida o amplia, completando-o e terminando por estabelecer um axioma: “A eqüidade, no âmbito do Estado, exige que os pobres não detenham, de forma alguma, mais poder do que os ricos, que não sejam os únicos soberanos, mas que todos os cidadãos o sejam em proporção a seu número. Estão aí as condições indispensáveis para que o Estado garanta com eficácia a igualdade e a liberdade.”

Aristóteles nos ensina que os ricos, ainda que participem com toda legitimidade democrática do governo da Polis, continuarão sendo sempre uma minoria devido a uma proporcionalidade incontestável. Por um lado, ele está certo: desde os tempos mais remotos que possamos evocar, os ricos nunca foram mais numerosos que os pobres. Apesar disso, os ricos sempre governaram o mundo, ou manipularam as pessoas que o governavam. Mais do que nunca, essa é uma constatação atual. Note-se, de passagem, que, para Aristóteles, o Estado representa uma forma superior de moralidade...

O obstáculo de Roma

Qualquer manual de direito constitucional nos ensina que a democracia é “uma organização interna do Estado por meio da qual a origem e o exercício do poder político cabe ao povo, permitindo essa organização ao povo governado que também governe, através de seus representantes eleitos”. Aceitar definições como essa, de tal pertinência que quase se confunde com as ciências exatas, corresponderia, quando transpostas para nossa era, a não levar em conta a infinita graduação de estados patológicos com os quais, a qualquer momento, nosso corpo pode ser confrontado.

Em outras palavras: o fato de que a democracia possa ser definida com muita precisão não significa que ela realmente funcione. Uma breve incursão na história das idéias políticas leva a duas observações, muitas vezes relegadas sob o pretexto de que o mundo muda. A primeira para lembrar que a democracia surgiu em Atenas, por volta do século V antes de Cristo; ela pressupunha a participação de todos os homens livres no governo da cidade; baseava-se na forma direta e os cargos eram efetivos, ou atribuídos, por meio de um sistema misto de sorteio e de eleição; e os cidadãos tinham o direito de voto e o de apresentar propostas nas assembléias populares.

É, no entanto - esta é a segunda observação - em Roma, a sucessora dos gregos, é que o sistema democrático não conseguiu se impor. O obstáculo veio com o poder econômico colossal de uma aristocracia latifundiária que via na democracia um inimigo direto. Apesar do risco de qualquer tipo de extrapolação, seria possível deixar de questionar se os impérios econômicos contemporâneos não seriam também adversários radicais da democracia, ainda que mantenham as aparências?

Abdicação cívica

As instâncias do poder político tentam desviar nossa atenção do óbvio: dentro do próprio mecanismo eleitoral, encontram-se em conflito uma opção política, representada pelo voto, e uma abdicação cívica. Não é fato que, no momento exato em que a cédula é introduzida na urna, o eleitor transfere para outras mãos – sem qualquer contrapartida, salvo promessas feitas durante a campanha eleitoral – a parcela de poder político que detinha até então enquanto membro da comunidade de cidadãos?

O papel de advogado do diabo que assumo pode parecer imprudente. Mais um motivo para que examinemos o que vem a ser a nossa democracia e qual a sua utilidade, antes de pretendermos – uma obsessão de nossa época – torná-la obrigatória e universal. Essa caricatura de democracia que, como missionários de uma nova religião, procuramos impor ao resto do mundo não é a democracia dos gregos, mas um sistema que os próprios romanos não teriam hesitado em impor em seus territórios. Este gênero de democracia, deteriorado por mil parâmetros econômicos e financeiros, teria conseguido, sem dúvida alguma, mudar a opinião dos latifundiários do Lácio, que se teriam tornado os mais ferrenhos dos democratas...

Pode passar pelo espírito de alguns leitores uma desagradável suspeita sobre minhas convicções democráticas, tendo em vista minhas notórias posições ideológicas3... Defendo a idéia de um mundo verdadeiramente democrático que se tornaria realidade dois mil e quinhentos anos depois de Sócrates, Platão e Aristóteles. Essa quimera grega de uma sociedade harmoniosa, que não se dividiria em senhores e escravos, tal como a concebem os cândidos espíritos que ainda acreditam na perfeição.

A vontade política e o voto

Poderão dizer: mas as democracias ocidentais não são censitárias4, nem racistas e o voto do cidadão rico e branco tem o mesmo valor nas urnas que o do cidadão pobre e de pele morena. Se confiássemos em tais aparências, teríamos atingido o supra-sumo da democracia.

Sob o risco de diminuir essas paixões, eu diria que as realidades brutais do mundo em que vivemos tornam ridículo esse cenário idílico e que, de uma ou de outra maneira, acabaremos por cair num organismo autoritário dissimulado sob os mais belos paramentos da democracia.

O direito de voto, por exemplo, expressão de uma vontade política, também é um ato de renúncia a essa mesma vontade, pois o eleitor a delega a um candidato. O ato de votar, pelo menos para uma parcela da população, é uma forma de renúncia temporária à ação política pessoal, discretamente adiada até as eleições seguintes, quando os mecanismos de delegação de poder voltarão ao ponto de partida para tudo recomeçar de novo.

Vínculos reveladores

Essa renúncia pode constituir, para a minoria eleita, o primeiro passo de um mecanismo que muitas vezes autoriza, apesar das vãs esperanças dos eleitores, a determinação de objetivos que nada têm de democráticos e podem até ser autênticas ofensas à lei. Em princípio, não ocorreria a ninguém eleger como representantes no Parlamento pessoas corruptas, ainda que a triste experiência nos ensine que as altas esferas do poder, no plano nacional e internacional, são ocupadas por criminosos desse tipo ou por seus representantes. Nenhum exame ao microscópio dos votos depositados nas urnas permitiria tornar visíveis os vínculos reveladores das relações entre os Estados e os grupos econômicos cujas ações ilícitas – até de guerra – conduzem nosso planeta rumo à catástrofe.

A experiência confirma que uma democracia política que não se baseia numa democracia econômica e cultural de pouco adianta. Desprezada e relegada a ser o depositário de fórmulas obsoletas, a idéia de uma democracia econômica deu lugar a um mercado triunfante que beira a obscenidade. E a idéia de uma democracia cultural foi substituída por uma massificação industrial das culturas, não menos obscena, um pseudo-caldeirão que serve apenas para mascarar a predominância de algumas delas.

Democracia paralisada

Pensávamos ter avançado, mas, na realidade, recuamos. Falar de democracia se tornará cada vez mais absurdo se nos obstinarmos em identificá-la com instituições que respondem por partidos, parlamentos ou governos, sem proceder a um exame do uso que estes últimos fazem do voto que lhes permitiu o acesso ao poder. Uma democracia que não faz autocrítica está condenada à paralisia.

Não concluam que sou contra a existência de partidos: sou militante de um deles. Nem pensem que abomino parlamentos: eu os apreciaria mais se se dedicassem mais à ação do que à palavra. E também não imaginem que sou o inventor de uma receita mágica que permitirá aos povos que vivam felizes sem governos. O que me recuso a admitir é que só seja possível governar e desejar ser governado segundo os modelos democráticos vigentes, incompletos e incoerentes.

Qualifico-os assim porque não vejo outra forma de designá-los. Uma verdadeira democracia que, como um sol, inundasse todos os povos com sua luz, deveria começar pelo que temos à mão, ou seja, o país em que nascemos, a sociedade em que vivemos, a rua em que moramos.

Se essa condição não for respeitada – e não o é – todos os raciocínios acima citados – ou seja, o fundamento teórico e o funcionamento experimental do sistema – serão viciados. Purificar as águas do rio que atravessa a cidade de nada adiantará, se o foco da contaminação se encontra na nascente.

Eleição sem transformação

A questão principal que se coloca para qualquer tipo de organização humana, desde que o mundo é mundo, é a do poder. E o principal problema é o de identificar quem o detém, de verificar por que meios o conseguiu, o uso que dele faz, os métodos que utiliza e quais são suas ambições.

Se a democracia realmente fosse o governo do povo, para o povo e pelo povo, terminaria o debate. Mas não é esse o caso. E só um espírito cínico se arriscaria a afirmar que o mundo em que vivemos vai às mil maravilhas.

Também se diz que a democracia é o menos ruim dos sistemas políticos e ninguém ressalta que essa constatação resignada de um modelo que se contenta em ser “o menos ruim” pode constituir um freio à busca por algo de “melhor”.

O poder democrático é, por sua natureza, sempre provisório. Depende da estabilidade das eleições, do fluxo das ideologias e dos interesses de classe. É possível ver nele uma espécie de barômetro orgânico que registra as variações da vontade política da sociedade. Porém, de maneira flagrante, só se computam as alternâncias políticas aparentemente radicais, que resultam em mudanças de governo, mas que não são acompanhadas por transformações sociais, econômicas e culturais tão fundamentais quanto o resultado da eleição faria supor.

Operação estética barata

Na realidade, chamar um governo “socialista”, ou “social-democrata”, ou ainda “conservador”, ou “liberal”, e denominá-lo “poder” não passa de uma operação estética barata. Trata-se de fingir dar nome a algo que não está ali, onde querem nos fazer crer que esteja. Pois o poder, o verdadeiro poder, está em outro lugar: é o poder econômico. É aquele do qual percebemos o contorno em filigrana, mas que nos foge quando tentamos aproximar-nos e contra-ataca se entende que desejamos limitar sua influência, submetendo-o às regras do interesse geral.

Em termos mais claros: os povos não elegeram seus governos para que estes os “ofereçam” ao mercado. Mas o mercado condiciona os governos para que estes lhe “ofereçam” seus povos. Em nossa época de globalização liberal, o mercado é o instrumento por excelência do único poder digno desse nome: o poder econômico e financeiro. Este não é democrático, pois não foi eleito pelo povo, não foi gerado pelo povo e, principalmente, não tem por objetivo a felicidade do povo.

Governo dos ricos

Aqui, apenas enuncio verdades elementares. Os estrategistas políticos, de toda e qualquer filiação partidária, impuseram um silêncio prudente para que ninguém ousasse insinuar que continuamos cultivando a mentira e aceitamos ser seus cúmplices.

O chamado sistema democrático parece, cada vez mais, um governo dos ricos e, cada vez menos, um governo do povo. Impossível negar o óbvio: a massa de pobres convocada a votar jamais é chamada a governar. Na hipótese de um governo formado pelos pobres, em que estes representassem a maioria – como Aristóteles o imaginou, em sua Política –, eles não disporiam de meios para modificar a organização do universo dos ricos, que os dominam, os vigiam e os oprimem.

A pretensa democracia ocidental entrou numa etapa de transformação retrógrada que ela é incapaz de deter e cujas conseqüências previsíveis serão sua própria negação. Não é necessário que alguém assuma a responsabilidade de liquidá-la; ela própria se suicida diariamente.

O tabu da democracia

O que fazer? Reformá-la? Sabemos que reformar, como bem disse o autor do Il Gattopardo5 , nada mais é do que mudar o necessário para que nada mude. Renová-la? Que época do passado teria sido suficientemente democrática para que valesse a pena a ela retornar para, a partir dali, reconstruir com novos materiais aquilo que estivesse no caminho da perdição? A da antiga Grécia? A das repúblicas mercantis da Idade Média? A do liberalismo inglês do século XVII? A do século do Iluminismo francês? As respostas seriam tão fúteis quanto as perguntas...

O que fazer então? Paremos de considerar a democracia como um valor adquirido, definido de uma vez por todas e intocável para sempre. Num mundo em que estamos habituados a debater qualquer assunto, um único tabu persiste: a democracia. Salazar (1889-1970), o ditador que governou Portugal por mais de quarenta anos, afirmava: “Não se questiona Deus, não se questiona a pátria, não se questiona a família”. Nos dias de hoje, Deus é questionado, a pátria é questionada e, se não questionamos a família, é porque ela própria se encarrega de fazê-lo. Mas não se questiona a democracia.

Então, digo: questionemos a democracia em todos os debates. Se não encontrarmos um meio de a reinventar, não perderemos apenas a democracia, mas a esperança de ver um dia os direitos humanos respeitados neste planeta.. Isso seria o fracasso mais estrondoso de nossos tempos, o sinal de uma traição que marcaria a humanidade para sempre.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Nota da Redação: Como não recebemos a versão original deste artigo, o texto que aqui publicamos é uma tradução da versão espanhola para o português do Brasil.

2 - Pode ser consultada a edição francesa, La politique, ed. Vrin, tradução de J. Tricot, Paris, 1982.

3 - José Saramago é filiado ao Partido Comunista português.

4 - N.T.: No império romano, o cidadão deveria pagar o censo para ser eleitor ou elegível.

5 - Romance póstumo do escritor siciliano Giuseppe Tommasi di Lampedusa (1896-1957), publicado em 1958, com edição francesa, de 1959, pela editora Seuil, Paris. É atribuída a Lampedusa a célebre frase: “É preciso mudar tudo para que nada mude.”





março 2002



CULTURA

A justiça, a democracia e os sinos

“E contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica”



José Saramago

Impossibilitado de comparecer a Porto Alegre, ao II Forum Social Mundial, o escritor português enviou este texto, cuja leitura marcou a plenária de encerramento

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”, foi a resposta do camponês. “Mas então não morreu ninguém?”, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta.”

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros “comissários políticos” do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas nos açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor



Fonte: http://diplo.org.br/_Jose-Saramago_

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Firme ko ZUK !

Essa é a homenagem ao  amigo, João Henrique Zuk - "zukinho", pessoa da mais fina estampa, companheiro, brincalhão, sempre alegre, que infelizmente encontrou-se com a morte dia 16/06/2010. Infelizmente nunca saberemos em que esquina ela vai nos encontrar companheiro. Aos que ficam, resta a saudade e o triste pesar e pensar em seus pais que voltam a sentir a dor da perda de um filho.Continuaremos firmes, buscando as alegres recordações que nos deixou durante sua vida, histórias contadas e vividas.


João Henrique Zuk - Zukinho  10/12/1983 - 16/06/2010



"Eu sei que determinada rua que eu já passei


Não tornará a ouvir o som dos meus passos

Tem uma revista que eu guardo há muitos anos

E que nunca mais eu vou abrir

Cada vez que eu me despeço de uma pessoa

Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez

A morte, surda, caminha ao meu lado

E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?

Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?

Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque,

Na música que eu deixei para compor amanhã?

Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?

Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,

E que está em algum lugar me esperando

Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar Vestida de cetim

Pois em qualquer lugar

Esperas só por mim

E no teu beijo

Provar o gosto estranho

Que eu quero e não desejo

Mas tenho que encontrar

Vem Mas demore a chegar

Eu te detesto e amo

Morte, morte, morte que talvez

Seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte

Uma das tantas coisas que eu nao escolhi na vida

Existem tantas... um acidente de carro

O coração que se recusa a bater no próximo minuto

A anestesia mal-aplicada

A vida mal-vivida

A ferida mal curada

A dor já envelhecida

O câncer já espalhado e ainda escondido

Ou até, quem sabe,

O escorregão idiota num dia de sol

A cabeça no meio-fio Ó morte, tu que és tão forte

Que matas o gato, o rato e o homem

Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres

Me buscar

Que meu corpo seja cremado

E que minhas cinzas alimentem a erva

E que a erva alimente outro homem como eu

Porque eu continuarei neste homem

Nos meus filhos

Na palavra rude que eu disse para alguém

Que não gostava

E até no uísque que eu não terminei de beber / Aquela noite..." - RAUL SEIXAS - Canto para minha morte

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Canção prá inlges ver


O sistema processual penal brasileiro é considerado por muitos um sistema acusatório, no entanto não podemos concordar com tal afirmativa, pelo contrário entende-se tratar de um sistema processual inquisitivo em sua essência. Deve-se antes de tudo compreender e definir a própria palavra “sistema”, que nesse viés seria um “conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto.”

O sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado, é um sistema típico dos países democráticos. Da mesma forma que no Estado totalitário em que a repressão é o pilar basilar, havendo supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema acusatório encontra sua morada.

Um dos principais ranços inquisitivos talvez esteja na prisão preventiva, pois em um Estado dito Democrático ninguém poderia ser preso sem o devido processo legal, onde seria averiguada a sua culpa e somente após sentença viria à punição. Evidentemente essa medida cautelar tem um objetivo que talvez a muito tenha sido esquecido, que é instrumentalização qualificada do processo, hodiernamente as prisões cautelares são justificadas e fundamentadas do periculum libertatis que é a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal; e do fumus comissi delicti, que é a existência do crime e indício suficiente da autoria. Ambas as características devem estar evidenciadas no caso em concreto. É importante relembrar que o clamor público não autoriza a prisão preventiva.

A função das medidas cautelares é tão somente garantir o normal funcionamento da justiça através do respectivo processo de conhecimento, ou seja, são instrumentos a serviço do instrumento processo; por isso sua característica básica é a instrumentalidade qualificada. Essa noção de instrumentalidade é fundamental, pois só é cautelar aquela medida que se destina a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional, em outras palavras as medidas cautelares não se destinam a fazer justiça!

Nesse momento vemos que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e, portanto essencialmente inconstitucionais, pois quando se mantém uma pessoa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, não se está protegendo o processo, mas sim servindo a uma função de polícia do Estado, completamente distante o objeto e fundamento do processo penal. É inadmissível em um Estado dito Democrático e com um processo dito acusatório as pessoas sejam presas e mantidas assim por meses, sem o devido processo legal, sem uma sentença, sob o argumento de perigo de reiteração de condutas delituosas. “Trata-se de (absurdo) exercício de vidência por parte dos julgadores, que até onde temos conhecimento ainda não possuem um periculosômetro (diria ZAFFARONI) à disposição” . Esse é um diagnóstico completamente impossível de ser feito, exceto para os juízes que possuem o poder de vidência e/ou bola de cristal, tornando-se assim flagrante a inconstitucionalidade, pois a única previsão possível através da Constituição Federal é a de inocência e ela permanece intacta aos atos futuros.

Uma das principais distinções em um sistema inquisitivo e o acusatório-garantista se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias. Porém, como refutar esse exercício de vidência por parte do magistrado? Como provar (como se o acusado tivesse que provar algo) que no futuro não irá cometer nenhum crime? Convenhamos que esse tipo de decisão, máxima vênia, é dotado de um alto grau de charlatanismo e um altíssimo grau de prepotência, ambos inadmissíveis em um processo minimamente democrático e constitucional. Alguns julgadores mais compromissados com uma política criminal coerente, não admitem essa postura, podendo citar o festejado Desembargador Amilton Bueno de Carvalho que já proclamou em suas sentenças: “A futurologia perigosista, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva – que, desde muito, têm demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regime políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) – tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito – considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrair-se – torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social.”

Tamanha e tão concreta é a situação que dia 04/01/2010, dentro da listagem de pessoas detidas no Presídio Hildebrando de Souza em Ponta Grossa era 419 presos, destes, 394 são prisões preventivas (só neste presídio, desconsiderando as delegacias), ou seja, se considerarmos a população de Ponta Grossa 300 mil habitantes, teremos uma média de 131 presos (preventivos, ou seja, sem o devido processo legal e sentença condenatória) para cada 100 mil habitantes. Como podemos admitir que pessoas sejam presas por meses sem um julgamento? Sem nem ao menos com argumentos pautados constitucionalmente dentro de um sistema acustário-garantista? Como permitimos que pessoas que não são consideradas culpadas pelo Estado, sejam tratadas de maneira muito mais desumana (o Presídio Hildebrando de Souza vive constantemente o problema da superlotação, ao contrário do Presídio Estadual de Ponta Grossa onde fica a maioria dos presos condenados) que aqueles que são condenados? E no final como podemos dizer (sem rir) que nosso sistema processual penal é acusatório? Se for, é apenas no sonho de alguns doutrinadores (pois nem no “papel” é) para os outros verem o que não somos, como uma canção pra inglês ver.



sexta-feira, 11 de junho de 2010

EUA é MAIS VIOLENTO QUE BRASIL E CHINA!!!

Mais uma vez o país que tenta ser o "delegado" do planeta tem sua face oculta posta a mostra, pois um país que é incompetente para resolver seus problemas internos, não tem condições de impor nada ao mundo, exceto, talvez, desculpa a população mundial pela sua longa lista de equívocos, violência, exploração e descaso para com o restante do mundo. VEJAMOS :

EUA superam Brasil e China em violência, diz instituto
Qui, 10 Jun, 05h25



Cuba, Brasil e a China são países mais pacíficos que os Estados Unidos, de acordo com um relatório publicado hoje. O índice global da paz, elaborado pelo Instituto para a Economia e a Paz (IEP, na sigla em inglês), sediado em Sydney, na Austrália, diz que o mundo em geral está virando um lugar mais violento. O relatório diz que quase dois terços dos 149 países, classificados todos os anos, ficaram lugares mais violentos desde 2007.

O Iraque é o país mais violento no mundo (149º lugar), diz o relatório, seguido pela Somália, Afeganistão, Sudão, Paquistão, Israel, Geórgia, Chade e República Democrática do Congo. Os países mais pacíficos são a Nova Zelândia, que está em primeiro na lista, Islândia, Japão, Áustria, Noruega, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo, Finlândia e Suécia.

Os EUA estão em 85º lugar, abaixo de Cuba (72º lugar), da Argentina (71º), do Brasil (83º) e da China (80º) e apenas uma classificação acima de Angola (86º lugar). O Brasil ficou com sua posição inalterada em comparação a 2009.

Sugerindo a possibilidade de que o rápido desenvolvimento possa ter trazido mais conflitos na sua esteira, o IEP também notou que três países dos BRICS - Rússia (143º lugar), China (80º lugar) e Índia (128º lugar), assistiram a um declínio substancial na tranquilidade", diz um trecho do relatório.

Ranking lista 149 países. A Turquia ficou em 126º lugar, a Itália em 40º, a França em 32º e o Reino Unido em 31º.

A ideia de criar o índice foi de Steve Kilelea, um empreendedor australiano que queria identificar o que faz um país ser pacífico e tranquilo. Ele pediu à Unidade de Inteligência da Economist, afiliada à revista The Economist, que pesquisasse uma série de variáveis, do nível de homicídios por 100 mil habitantes - dado que prejudicou os EUA e favoreceu a Dinamarca - à corrupção e ao acesso à educação primária. A pesquisa também leva em conta níveis de criminalidade, número de pessoas na prisão em proporção à população total de um país, gastos militares e existência ou não de tumultos sociais.



quarta-feira, 9 de junho de 2010

Só para fechar o dia:

Quanto menos comes, bebes, compras livros e vais ao teatro, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. És menos, mas tens mais. Assim todas as paixões e actividades são tragadas pela cobiça. - KARL MARX

terça-feira, 8 de junho de 2010

PANORAMA DO ABORTO NO BRASIL

Segue abaixo uma pesquisa efetuada sobre o aborto, alimentando ainda mais as críticas ao tratamento penal a um problema de saúde pública. Recebi via e-mail pelos integrantes do grupo de e-mail "gpviolencia". Parece-me que é chegada a hora de cessar os debates religiosos e moralista a respeito de assuntos sociais. Ora, nunca me pareceu viável discutir com a população ou qualquer grupo de pessoas, a respeito da sua simples opinião (sim ou não / bom ou ruim) sobre a legalização do aborto. Deve-se analisar a repercussão social da proibição.


É um argumento fajuto aceitar a criminalização com a alegação que a possível legalização, faria com que aumentasse a prática de aborto. Esse argumento supõe que "alguém" deixa de cometer aborto por medo da "lei penal" ou da "punição". É tão escassa a repressão estatal a respeito desse delito, que ninguém, absolutamente ninguém tem medo de ser pego; de outra forma o aborto é cometido geralmente na intimidade do lar ou em alguma clínica clandestina (ou algo semelhante), ninguém sai anunciando ao vento que praticou tal delito. Alhures disse certa vez que "todo mundo conhece cerca de 3 mulheres que já tenham praticado aborto". Desconfio que isso seja verdade,

Quem acaba por sofrer as conseqüências dessa proibição, certamente, é o pobre, que mais uma vez é o que agüenta as conseqüências de um tratamento penal para um problema de saúde publica, pois as donzelas mais abastadas, terão dinheiro para fazer a prática de aborto com relativa tranqüilidade, seja em clinicas clandestinas, hospitais, profissionais da área da saúde ou apenas remédios importados; enquanto o pobre é obrigado utilizar-se práticas insalubres, curandeiros e clinicas de fundo de quintal, que cotidianamente perfuram úteros com imensas agulhas de tricô, causando dor, lesões, seqüelas e até mortes.

Isso sem abordar da impossibilidade que a proibição traz de discutir o tema abertamente, pois, se o estado marginaliza minha conduta, quem eu procurarei para obter ajuda, informação e conforto? Se o aborto fosse descriminalizado, contudo criando-se condições para sua feitura, como alguns encontros com psicólogos, assistentes sociais, médicos e outras mulheres que tiveram esse problema, certamente diminuiria drasticamente o número abortos no país. De qualquer forma, é preciso mudar, pois se existe algo que a criminalização do aborto conseguiu foi aumentar a sua prática.



Segue a baixo a pesquisa.



Att.

Aknaton Toczek






Uma em cada 5 mulheres de 40 anos já fez aborto


22 de maio de 2010
8h 42



AE - Agência Estado

Uma em cada cinco brasileiras de 40 anos (22%) já fez pelo menos um aborto, aponta o maior levantamento sobre o tema realizado no País. Quando consideradas mulheres de todas as idades, uma em cada sete (15%) já abortaram. Ao contrário do que se imagina, a prática não está restrita a adolescentes solteiras ou a mulheres mais velhas. Cerca de 60% das mais de 2 mil entrevistadas interromperam a gestação no centro do período reprodutivo - entre 18 e 29 anos.

"A maioria é de mulheres casadas, religiosas, com filhos e baixa escolaridade", revela a antropóloga da Universidade de Brasília Debora Diniz, autora principal do estudo. "Elas já têm a experiência da maternidade e tanta convicção de que não podem ter outro filho no momento que, mesmo correndo o risco de serem presas, interrompem a gestação", diz.

Medicamentos abortivos foram usados em metade dos casos pesquisados. É provável que para a outra metade das mulheres a interrupção da gravidez tenha ocorrido em condições precárias de saúde, aponta o estudo. "Cerca de 55% das mulheres precisou ser internada por causa de complicações. Se o aborto seguro fosse garantido, isso seria evitado", defende Debora.

"Os dados reafirmam a opinião já consolidada no Ministério da Saúde de que aborto é uma questão de saúde pública", diz Adson França, assessor especial do ministro José Gomes Temporão. "Mostra que estamos no caminho certo ao ampliar a oferta de métodos contraceptivos no Sistema Único de Saúde (SUS)."

Financiada pela Fundação Nacional de Saúde, a Pesquisa Nacional de Aborto entrevistou 2.002 mulheres entre 18 e 39 anos de todo o País. A técnica utilizada é semelhante a de pesquisas eleitorais e, como o anonimato é garantido, estima-se uma margem de erro de apenas 2%. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Início.

Damos início ao Blog direitopenalcritico, como intuito de debater temas recentes e polemicos a respeito do direito penal e da criminologia. Logo iniciaremos com os artigos.


Aknaton Toczek Souza