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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Proyecto elimina delito de abuso de funciones



El proyecto de ley del nuevo Código Penal enviado al Parlamento prevé la eliminación del abuso de funciones y el desacato por ofensa, deroga las faltas y suprime el rapto y el estupro. Tipifica el robo de agua.
El proyecto redactado por una comisión de expertos fue elevado por el Poder Ejecutivo al Parlamento esta semana y lleva la firma del presidente José Mujica y los ministros.
El texto deroga "toda referencia a las faltas, pues la experiencia práctica ha determinado que se persiguen sólo en algunos casos muy puntuales".
"La irretroactividad de la ley penal se ha establecido en forma absoluta, lo mismo la retroactividad cuando se suprimen delitos existentes o se disminuye la pena", agrega.
La legítima defensa también sufre modificaciones y se establecen normas para la legítima defensa imprudente. Respecto a la minoría de edad, se mantiene el límite de los 18 años. En el homicidio culposo se elimina la referencia a antecedentes honorables.
Se deroga la pasión provocada por el adulterio infraganti, "pues en realidad se trata de un caso asimilable a la emoción violenta que puede llegar a constituirse en causa de falta de capacidad de culpabilidad".
Se suprime la colaboración con las autoridades como atenuante, "lo que nunca fue aceptado por la doctrina por tratarse de una situación que puede ameritar la delación de otras personas para sustraerse al rigor de la pena, e incluso inculpar a quienes son inocentes".
De los agravantes se eliminan la premeditación y la alevosía, también la superioridad del sexo, "por encontrarlo incompatible en el estado de actual de las relaciones de género". Se suprime el menosprecio a la autoridad y se recomienda eliminar el desacato por ofensas. Se saca el agravamiento de una conducta por influencia de estupefacientes, "cuando el alcohol se considera una causa de atenuación, lo que supone una contradicción por tratarse ambos de drogas".
La pena de violación de correspondencia pasa de multa a prisión y penitenciaría por considerarla "una modalidad grave" y se agrega lo relacionado a mensajes de correo electrónico u otro tipo de documento cerrado. A la interceptación de noticia, telegráfica o telefónica también se le aumenta la pena y se agrega que sea por "artificios técnicos de escucha, transmisión, grabación o reproducción del sonido o la imagen".
Se suprimen todos los tipos de rapto "porque están teñidos de gran vaguedad" y "son innecesarios", ya que se trata de privación de libertad, violación o atentado violento al pudor. Se suprime el estupro "hoy un verdadero anacronismo", y el incesto. A la violación se agregan cónyuge o concubinos y en las presunciones de violencia se baja la edad de 15 a 12 años. En el ultraje violento al pudor se agrega a la posible víctima que sea un cónyuge o concubino.
Se crea el delito de intermediación en adopciones ilegales y como nueva figura el derecho a la disposición de datos. Se tipifica el delito de robo de agua por la alteración de los contadores de OSE, al igual que está penado el robo de energía eléctrica.
Para los "hurtos de bagatela" se pone en marcha el sistema judicial sólo por voluntad de la víctima. Se deroga el mal llamado delito de escrache, incluido en el artículo 145 de delitos contra la paz pública. Se incluye el aire que se respira pensando en contaminación al estilo plombemia.
Se elimina el delito de abuso de funciones, también el de abandono colectivo de funciones y servicios públicos de necesidad o utilidad pública, porque se considera a éste último de dudosa constitucionalidad ya que afecta el derecho de huelga.
También se elimina el desacato por ofensa ya que los funcionarios públicos "se exponen en forma voluntaria a una crítica más severa".
Envían ley para liberar a presos
El ministro del Interior, Eduardo Bonomi, ultima un proyecto de ley de liberaciones masivas de presos que otorga un plazo de un año a los jueces para excarcelar a un recluso con más de dos años sin pena. La iniciativa ingresaría el martes o miércoles al Parlamento.
"Estamos haciendo la exposición de motivos del proyecto de ley que irá al Parlamento. Se trata de un instrumento que permitirá a jueces liberar presos según su criterio", dijo Bonomi a El País.
Se beneficiarán aquellos que cumplieron dos tercios de la pena y aún no tienen condena; mujeres con niños lactantes; internos que hayan cumplido una pena preventiva de dos años y que no tengan causas pendientes y primarios con delitos leves. También abarcará a reclusos con enfermedades terminales y mayores de 70 años que no estén encarcelados por delitos de lesa humanidad.
Los presos que reincidan deberán cumplir toda la pena conmutada por el proyecto de ley y no recibirán ningún beneficio por el segundo delito. Es decir, no gozarán de libertades provisorias ni otro beneficio de recorte de pena.
(Publicado por El País - Uruguay, 11 noviembre 2010)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CHOMSKY E AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA

CHOMSKY E AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA
29 Julho 2010 
Classificado em Internacional - Imperialismo

Crédito: chomsky.info
O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:
1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.
4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.
8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!
10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.


"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles."


"E, assim como toda grande mudança que acontece na vida de um indivíduo o ensina e o faz viver e sentir muitas coisas, a revolução é capaz de engendrar no povo os mais profundos e preciosos ensinamentos."
V. I. Lênin

terça-feira, 20 de julho de 2010

Carta pró-maconha

Muito já foi dito sobre as drogas, durante tanto tempo, hodiernamente ela é demonizada e ainda considerada o grande problema social, talvez o maior, no discurso oficial do estado repressivo, afinal seguimos o mesmo discurso feito por Ronald Reagan, o discurso de war on drugs. Por certo que muita coisa mudou no tratamento das drogas, as ciências evoluíram, etc.




Certamente o problema das drogas é relacionado à saúde pública e a educação, e infelizmente o estado afasta a possibilidade de tratamento adequado ao problema através da política de repressão penal, o que vem se mostrando inútil e inadequada através dos anos, e se exista uma coisa que pode ser vista e comprovada empiricamente é que as políticas proibicionistas (que possuem cerca de 100 anos) não atingiram nenhum objetivo, muito pelo contrario só fez com que aumentasse a ignorância, o medo e a violência (estatal ou não).



Por certo que problemas de saúde pública se resolvem com saúde pública, e não com repressão, muito menos com demonização do tema, e a chance de expiar todas as culpas e problemas de violência nas drogas, pois essas são utilizadas há milênios, e mesmo atualmente (estando vívida a war on drugs) é utilizada amplamente pela sociedade, e digo mais, por toda a sociedade, saindo das camadas sociais mais elitizadas e religososas até aos mais pobres e ateus, a imensa maioria dos usuários de drogas o fazem de modo recreativo, sem nenhuma pretensão de violência ou criminosa.



Outro ponto alarmante nessa política esquizofrênica do estado é proibir o consumo de substâncias, sem qualquer argumento contundente, é evidente que se alega a saúde pública e a violência gerada pela droga, contudo ambas são mais evidentes nas drogas legalizadas (principalmente no álcool) e quanto à violência e grupos criminosos, etc., esses são justamente a cria de uma política criminal de repressão, ora meus caros, o tráfico de entorpecentes lida com bilhões de dólares anuais em todo o mundo, sinceramente vocês não acreditam que não haverá ninguém interessado em sua proibição?



De outra forma a proibição se mostra inócua, primeiro por que existem muitos consumidores, pouquíssimos tem medo da lei (sem falar que na legislação atual o usuário não pode ser mais punido com prisão, ou seja, praticamente houve uma liberação do consumo), e se existe usuários para um produto, a lei do mercado é clara, existira sem dúvida pessoas dispostas a fornecer esses produtos (principalmente dentro da ordem capitalista que as pessoas são admiradas pelo que possuem status social e financeiro); segundo, nem a polícia brasileira ou qualquer outra do mundo tem condições materiais e de contingentes para deter todos os integrantes e participantes do tráfico (desde a produção até a venda), basta ver o Estados Unidos que é o país que mais investe na guerra contra as drogas e é o que mais consome no mundo.



Entre tantos aspectos a serem resgatados nessa discussão (e são muitos), nos atentaremos apenas a estes por hora, lembrando que temos que despertar para vida, temos que perceber o porquê de nossos preconceitos e idéias, odiamos e demonizamos coisas sem saber o por que, apenas por que nos foi ensinado e é repassado todo o dia nos canais televisivos (lembrando Marcelo Nova que diz "eu sou inteiramente contra as drogas, é por isso que eu não assisto nem a Globo, nem a SBT, nem a Record), a proibição e a demonização dos entorpecentes é algo incoerente, sem justificativas plausíveis e cientificas, apenas na intenção de implementar o pensamento de uma cultura protestante (que prega a abstinência) surgida nos EUA e propagada pelo mundo. Que erros cometemos ao aceitar isso, não podemos interferir no querer dos outros, no lazer e na vida, a pessoa tem total direito de utilizar substancias entorpecentes de modo hedonista, sempre fazendo isso com o choopinho ou a cervejinha de final de semana, por que não deixar que os outros o façam com outras substancias.



Lembrando que a abaixo segue uma matéria interessante, mostrando uma carta de pro maconha feita por médicos, em repúdio a prisão de um cantor que foi preso por ter alguns pés de maconha em casa (o que teoricamente deveria ser festejado pelo estado, pois quem planta não compra). Perto do meu escritório tem uma pichação na parede que diz: "os traficantes são contra a legalização", nada poderia estar mais corretos, só não podemos esquecer que os maiores traficantes vestem ternos de 5 mil dólares e estão entro da maquina estatal (todos os poderes) e/ou ligado a grandes empresas. O Prof. Dr. Nilo Batista certa vez falou: "a política anti drogas é mais prejudicial que a própria droga", ele não poderia estar mais certo.


Att.

Aknaton Toczek Souza


Cientistas fazem carta pró-maconha


DE SÃO PAULO



Um grupo de neurocientistas que estão entre os mais renomados do país escreveu uma carta pública para defender a liberalização da maconha não só para uso medicinal, mas para "consumo próprio", informa Eduardo Geraque em reportagem publicada na edição desta quarta-feira da Folha (íntegra disponível para assinante do UOL e do jornal).



A motivação do documento foi a prisão do músico Pedro Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, que ganhou repercussão na internet. Ele está preso desde o dia 1º sob acusação de tráfico por cultivar dez pés de maconha e oito mudas da planta em casa, em Niterói (RJ). Segundo o advogado do músico, ele planta a erva para consumo próprio.



Os cientistas falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento), que representa 1.500 pesquisadores. De acordo com os membros da sociedade, existe conhecimento científico suficiente para, pelo menos, a liberalização do uso medicinal da maconha no Brasil.



Veja a íntegra da carta:



"A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.



Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.



Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois países finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio.



Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, como nestes países, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo.



Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas.



A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio."



Cecília Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)

João Menezes (UFRJ)

Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)

Sidarta Ribeiro (UFRN, diretor da SBNeC)



Editoria de Arte/Folhapress


terça-feira, 13 de julho de 2010

Patriarcado da violência



http://www.estadao. com.br/noticias/ suplementos, patriarcado- da-violencia, 579311,0. htm

Texto de Debora Diniz



Eliza Samudio está morta. Ela foi sequestrada, torturada e assassinada. Seu corpo foi esquartejado para servir de alimento para uma matilha de cães famintos. A polícia ainda procura vestígios de sangue no sítio em que ela foi morta ou pistas do que restou do seu corpo para fechar esse enredo macabro. As investigações policiais indicam que os algozes de Eliza agiram a pedido de seu ex-namorado, o goleiro do Flamengo, Bruno. Ele nega ter encomendado o crime, mas a confissão veio de um adolescente que teria participado do sequestro de Eliza. Desde então, de herói e "patrimônio do Flamengo", nas palavras de seu ex-advogado, Bruno tornou-se um ser abjeto. Ele não é mais aclamado por uma multidão de torcedores gritando em uníssono o seu nome após uma partida de futebol. O urro agora é de "assassino".

O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é um ato de amor, mas de ódio. Em algum momento do encontro afetivo entre duas pessoas, o desejo de posse se converte em um impulso de aniquilamento: só a morte é capaz de silenciar o incômodo pela existência do outro. Não há como sair à procura de razoabilidade para esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres. Tentar explicar o crime passional por particularidades dos conflitos é simplesmente dar sentido a algo que se recusa à razão. Não foi o aborto não realizado por Eliza, não foi o anúncio de que o filho de Eliza era de Bruno, nem foi o vídeo distribuído no YouTube o que provocou a ira de Bruno. O ódio é latente como um atributo dos homens violentos em seus encontros afetivos e sexuais.

Como em outras histórias de crimes passionais, o final trágico de Eliza estava anunciado como uma profecia autorrealizadora. Em um vídeo disponível na internet, Eliza descreve os comportamentos violentos de Bruno, anuncia seus temores, repete a frase que centenas de mulheres em relacionamentos violentos já pronunciaram: "Eu não sei do que ele é capaz". Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm nos relacionamentos se temem a violência? Por que, jovem e bonita, Eliza não foi capaz de escapar de suas investidas amorosas? Por que centenas de mulheres anônimas vítimas de violência, antes da Lei Maria da Penha, procuravam as delegacias para retirar a queixa contra seus companheiros? Que compaixão feminina é essa que toleraria viver sob a ameaça de agressão e violência? Haveria mulheres que teriam prazer nesse jogo violento?

Não se trata de compaixão nem de masoquismo das mulheres. A resposta é muito mais complexa do que qualquer estudo de sociologia de gênero ou de psicologia das práticas afetivas poderia demonstrar. Bruno e outros homens violentos são indivíduos comuns, trabalhadores, esportistas, pais de família, bons filhos e cidadãos cumpridores de seus deveres. Esporadicamente, eles agridem suas mulheres. Como Eliza, outras mulheres vítimas de violência lidam com essa complexidade de seus companheiros: homens que ora são amantes, cuidadores e provedores, ora são violentos e aterrorizantes. O difícil para todas elas é discernir que a violência não é parte necessária da complexidade humana, e muito menos dos pactos afetivos e sexuais. É possível haver relacionamentos amorosos sem passionalidade e violência. É possível viver com homens amantes, cuidadores e provedores, porém pacíficos. A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens.

A violência conjugal é muito mais comum do que se imagina. Não foi por acaso que, quando interpelado sobre um caso de violência de outro jogador de seu clube de futebol, Bruno rebateu: "Qual de vocês que é casado não discutiu, que não saiu na mão com a mulher, né cara? Não tem jeito. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Há pelo menos dois equívocos nessa compreensão estreita sobre a ordem social. O primeiro é que nem todos os homens agridem suas companheiras. Embora a violência de gênero seja um fenômeno universal, não é uma prática de todos os homens. O segundo, e mais importante, é que a vida privada não é um espaço sacralizado e distante das regras de civilidade e justiça. O Estado tem o direito e o dever de atuar para garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja na casa ou na rua. A Lei Maria da Penha é a resposta mais sistemática e eficiente que o Estado brasileiro já deu para romper com essa complexidade da violência de gênero.

Infelizmente, Eliza Samudio está morta. Morreu torturada e certamente consciente de quem eram seus algozes. O sofrimento de Eliza nos provoca espanto. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem que ser capaz de nos mover para a mudança de padrões sociais injustos. O modelo patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. Bruno não é louco, apenas corporifica essa ordem social perversa.

Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.



DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Violência em estádio será punida com até três anos de prisão. Xingar agora é proibido


O Plenário do Senado aprovou, na noite de quarta-feira (7), projeto (PLC 82/09) que torna mais rígidas as punições contra torcedores que praticarem ou incentivarem violência dentro dos estádios e ginásios, nas ruas próximas ou em pontos de ônibus ou trens que levam passageiros para os jogos.



Até cânticos (ofensivos) de torcedores ou xingamentos a jogadores e juízes, e ainda a apresentação de faixas com ofensas, serão punidos com detenção e proibição de assistir jogos por até três anos. O projeto acrescenta vários artigos ao atual Estatuto de Defesa do Torcedor.



Torcedores detidos por violência ligada a jogos poderão ser presos por até três anos. O projeto, que será enviado à sanção do presidente da República, proíbe que os torcedores entrem nos estádios com fogos de artifício, bebidas ou objetos que possam ser usados em agressão física.



Também estarão sujeitos a punição os torcedores que arremessarem objetos contra outros assistentes ou contra jogadores e juízes. A invasão do campo será igualmente punida com prisão e proibição de comparecer a jogos por até três anos. Hoje, o Estatuto do Torcedor prevê afastamento dos estádios por, no máximo, um ano.



O projeto foi apresentado pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), logo após uma briga de torcidas, em agosto de 1995, no Estádio Pacaembu, em São Paulo. Na Câmara, outros projetos sobre o assunto foram incorporados ao seu texto. Enquanto tramitava, entrou em vigor, em 2003, o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/03).



No Senado, o projeto de Chinaglia foi relatado favoravelmente, sem mudanças, pelos senadores Sérgio Zambiasi (PTB-RS) e Romero Jucá (PMDB-RR), nas Comissões de Educação, Cultura e Esportes (CE) e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).



- O atual Estatuto do Torcedor não tem mecanismos suficientes de fiscalização e punição aos infratores. Por isso, as novas medidas são necessárias, inclusive para proteger os torcedores fora dos estádios - afirma o senador Zambiasi em seu parecer.



Torcidas organizadas



Pelo projeto, o poder público e os responsáveis pelos estádios e pelos jogos ficarão encarregados de fazer a fiscalização das torcidas organizadas. Todos os estádios com capacidade para até 10 mil torcedores terão de receber equipamentos de gravação, tanto nas entradas e bilheterias quanto no seu interior, especialmente arquibancadas. Hoje, só se exige tais gravações nos estádios que recebem mais de 20 mil assistentes.



O projeto busca também responsabilizar civilmente as torcidas organizadas, que serão obrigadas a manter um cadastro dos seus associados, com fotos e endereços. Caso algum integrante da torcida organizada cometa alguma infração, toda a organização será responsabilizada. Até prejuízos causados por estes torcedores poderão ser cobrados da organização. As autoridades e os administradores de estádios e ginásios deverão colocar nas entradas e na internet a relação dos torcedores infratores.



Cambistas



Fica ainda a Justiça autorizada a criar juizados do torcedor, que poderão funcionar inclusive dentro dos estádios, nos dias de jogos. O projeto procura , adicionalmente, coibir a atuação de cambistas, prevendo cadeia de um a dois anos, além de multa, se uma pessoa for flagrada vendendo ingressos por preço superior ao estampado no bilhete.



Já quem fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao do bilhete poderá pegar cadeia de dois a quatro anos, mais multa. A pena será aumentada em até metade do tempo se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva.



Eli Teixeira / Agência Senado

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Desigualdade social

Paulo Passarinho


Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura; mentira, repetida inúmeras vezes, se transforma em verdade; ou, hegemonia também se constrói através do discurso, especialmente pela sua própria repetição foram algumas das sentenças que me vieram à cabeça quando li um recente artigo de Caetano Veloso. No texto, o artista, se declarando eleitor de Marina Silva, escreveu que entre Serra e Dilma ficaria com a candidata lulista, "porque ela defende a independência do Banco Central".

Uma amiga me explicou que é natural que seja assim, pois, se assim não for, o Banco Central fica subordinado aos políticos, sempre muito corruptos ou irresponsáveis. Ponderei que a solução da "independência" significa colocar o Banco Central sob comando dos bancos privados, principais beneficiários do modelo e da política econômica. Além de serem os principais financiadores dos tais políticos que não prestam...

Acho que deixei a minha amiga com uma pulga atrás da orelha, mas atentei para a força que determinadas "verdades", exaustivamente repetidas pela mídia dominante, exerce sobre todos nós.

E me ocorreu um outro fenômeno, ora em curso: acho que ninguém mais atenta, se importa ou acredita que continuamos submetidos a um modelo econômico totalmente controlado pelo sistema financeiro, e nocivo ao povo e à nação brasileira.

A razão desse fenômeno se relaciona a algumas versões construídas durante esses quase oito anos de governo Lula.

Desenvolvimentismo e distribuição de renda passaram a ser as maiores características de um "novo modelo" que teria se implantado no país. Marcio Pochmann, atual presidente do IPEA, em artigo publicado no O Globo, chegou a escrever que "nos últimos anos o Brasil passou a acusar importantes sinais de transição para o modelo social-desenvolvimentista".

Desenvolvimentismo deve ser traduzido por taxas de crescimento da economia, que nos teria retirado da estagnação econômica, marca deixada por nossa história econômica, de 1980 para cá.

O exame, contudo, das taxas de crescimento do país entre os anos de 2003 e 2009 não nos permite aceitar tanto otimismo. Nesse período, de acordo com dados oficiais e estudos do professor Reinaldo Gonçalves, o país cresceu a uma média de 3,5%. Esse resultado, primeiramente, nos coloca ainda muito distantes da média histórica de crescimento do PIB brasileiro. Entre 1890 e 2009, a taxa média de crescimento real foi de 4,5%. Entre 1932 e 1980, essa taxa chega a 6,8%.

Não restam dúvidas que houve mudanças no ritmo do crescimento econômico do país em relação ao governo anterior, de FHC, quando essa taxa média foi de apenas 2,3%. Mas, o próprio Reinaldo Gonçalves nos pondera que de 2003 a 2008 tivemos uma conjuntura internacional extremamente favorável. Nesse período, a renda mundial cresceu à taxa média real anual de 4,2% e o comércio mundial a uma taxa anual de 7,2%. Mesmo incluindo o ano de crise de 2009, essas taxas ficam respectivamente em 3,6% e 4,3%.

O resultado que alcançamos, assim, em termos da participação do Brasil na economia mundial, poderá surpreender a muitos: em 2002, tínhamos uma participação de 2,81% no PIB mundial, e agora, em 2009, representamos 2,79% da produção mundial.

Em termos mais diretos, esses dados nos mostram que, em comparação com os outros países, nós crescemos menos do que a maioria desses, não nos aproveitando a contento de uma conjuntura internacional extremamente favorável.

Mas, e a distribuição de renda?

Esse é um outro assunto que merece maior atenção do que as manchetes de jornais nos sugerem.

Primeiramente, de acordo com os dados da PNAD, existe uma melhor distribuição de renda entre aqueles que vivem de rendimentos do trabalho - salários, diárias, renda de autônomos. A PNAD capta com mais precisão esse tipo de rendimento, não cobrindo de forma adequada rendimentos típicos dos capitalistas, especialmente juros e lucros. Entretanto, esse é um processo que vem sendo observado desde 1995 e se associa a vários fatores: forte redução dos índices inflacionários; reajustes reais do salário-mínimo, programas de transferência de renda e a extensão de direitos da seguridade social.

A evolução do salário mínimo real, a partir de 1995, nos dá uma clara idéia desse processo. De acordo com o Dieese, e tendo o salário mínimo de julho de 1940 como referência para um índice igual a 100, em 1995 tivemos o mais baixo valor da história, com o índice de 24,53. Em 2003, esse índice já havia se recuperado, chegando a 30,70 (elevação de 25,15%, em relação a 1995), e em 2008 alcançou a 42,75 (elevação de 39,25%, em relação a 2003). Desse modo, entre 1995 e 2008, o crescimento real do valor do salário-mínimo foi de 74,28%, continuando a sua trajetória de elevação real até hoje, em 2010.

Mas, além desse importante dado sobre o salário-mínimo, tivemos o crescimento do emprego formal. O governo tem se utilizado dos dados do Caged - Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho - para a divulgação de dados recordes de geração de empregos no país. Contudo, o que não se divulga com tanto estardalhaço é que os saldos positivos na geração de novos postos de trabalho no país ocorrem exclusivamente até a faixa salarial correspondente a dois salários-mínimos. A partir da faixa salarial entre dois e três SM's, o saldo de vagas é negativo. Não há, portanto, saldo positivo na geração de empregos nas faixas salariais acima de dois salários.

Esse fenômeno pode nos ajudar a entender os dados de um estudo do IPEA que apontou que, entre 2002 e 2008, trabalhadores brasileiros mais qualificados (na verdade, com mais de 9 anos de estudo) tiveram, na média, queda nos seus rendimentos. Esse estudo aponta que nas ocupações que exigem um nível de escolaridade acima de onze anos, por exemplo, houve uma redução no salário médio de mais de 12%, neste período considerado.

Dessa forma, muito antes de festejarmos a criação de uma nova classe média ou a ascensão de milhões a uma nova classe social, o que devemos admitir é que temos reduzido de fato o número de miseráveis.

E, principalmente, em função da extensão de mecanismos de crédito aos mais pobres - com prazos de pagamento extremamente elásticos, além de taxas de juros que garantem altíssimas rentabilidades aos financiadores -, houve um aumento do consumo de bens duráveis para uma imensa parcela da população.

Neste contexto, mecanismos como o crédito consignado ou a ampliação da oferta dos serviços de cartão de crédito, estimularam esse tipo de consumo, através principalmente do aumento do nível de endividamento das famílias.

Confundir esse processo em curso com o fortalecimento da classe média, me parece uma grosseira simplificação. O propalado crescimento da chamada "classe C" - para estudos veiculados pela FGV-RJ, e com ampla repercussão na imprensa (para muitos, golpista) brasileiros com uma renda familiar de R$ 1.200,00 já estariam classificados nessa categoria! - deveria ser analisado com mais critério e cuidado.

E, antes de chegarmos a conclusões rápidas ou superficiais, sobre um processo de real melhoria da distribuição de rendas - incluindo os capitalistas, é claro - no Brasil, é importante assinalar que mantemos uma das estruturas tributárias das mais regressivas do mundo. E, ao mesmo tempo, a política fiscal praticada pelo governo - onde no ano passado, por exemplo, mais de 35% do Orçamento Geral da União se destinaram ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública - privilegia, de forma escancarada, aos mais ricos.

Por tudo isso, prefiro ficar com as palavras de Jessé Souza, coordenador do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade Social da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro A Ralé Brasileira. Em recente entrevista, ele afirmou: "Esses índices mostram apenas que a pobreza absoluta diminuiu. Mas a desigualdade é um conceito relacional. O Brasil é uma das sociedades complexas mais desiguais do planeta. Entre 30% e 40% de sua população tem inserção precária no mercado e na esfera pública. Somos uma sociedade altamente conservadora, que aceita conviver com parcela significativa da população vivendo como "subgente". Essa c lasse social, que chamamos provocativamente de "ralé", é a mão de obra barata para as classes média e alta que podem - contando com o exército de empregadas, motoboys, porteiros, carregadores, babás e prostitutas - se dedicar às ocupações rentáveis e com alto retorno em prestígio. É isso que chamo de "desigualdade abissal" como nosso problema central".

Desigualdade abissal que - sem uma profunda alteração do modelo econômico em curso, com uma total alteração da política econômica dos banqueiros - não será alterada.



Paulo Passarinho é economista e presidente do CORECON-RJ

quarta-feira, 23 de junho de 2010

IBGE: 35,5% dos brasileiros não têm alimento suficiente


IBGE: 35,5% dos brasileiros não têm alimento suficiente

A fome zero ainda não é realidade no Brasil, embora o acesso das famílias brasileiras à comida tenha aumentado significativamente em sete anos. Ainda que 35,5% das famílias vivam em situação de "insuficiência da quantidade de alimentos consumidos", segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009, o porcentual é bem inferior ao apurado na pesquisa anterior, referente ao período 2002/2003, quando os alimentos eram insuficientes para 46,7% das famílias consultadas.





No Norte, mais de 50% das famílias ainda não comem o que necessitam. Mas houve redução da fome em todas as regiões brasileiras. Os destaques ficaram com o Sudeste - onde os alimentos eram insuficientes para 43,4% das famílias em 2003, enquanto em 2009 essa situação baixou para 29,4% - e o Norte (de 63,9% para 51,5%).





Apesar de comerem mais, as famílias brasileiras ainda não conseguem escolher sempre os alimentos consumidos. Apenas 35,2% delas consomem sempre os alimentos "do tipo preferido", enquanto 52% nem sempre conseguem comer o que querem. Outras 12,9% das famílias "raramente" consomem o tipo preferido de comida.

Progressão para semiaberto não dá direito automático a visita ao lar, esclarece 2ª Turma






A progressão de regime de reclusão do fechado para o semiaberto não implica automaticamente na concessão de outros benefícios, como a autorização de visita periódica à família. Com base neste entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 102773) a Elton Gago da Costa, condenado a 22 anos de reclusão em regime inicial fechado por latrocínio (roubo seguido de morte).



Desde 24 de setembro de 2008, Elton cumpre sua pena em regime semiaberto. Ele requereu autorização para fazer visitas periódicas ao lar, mas o pedido foi negado em primeiro e segundo graus de jurisdição, sob o argumento de que ele estava no regime semiaberto há pouco tempo, por isso havia o risco de sua saída temporária servir como estímulo para eventual fuga.



Foi impetrado habeas corpus no STJ, que também negou o direito. No Supremo, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro alegou, sem sucesso, que se o apenado foi considerado apto a ingressar no semiaberto, é porque está dotado de responsabilidade. A Defensoria alegou que a gravidade do delito, por si só, não pode servir como fundamento para se negar direito, assim como a longevidade da pena e a possibilidade abstrata de evasão, sem a apresentação de dado concreto que a motive.



Para a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, o fato de o paciente ter sido beneficiado com a progressão de regime não leva automaticamente à concessão de outro benefício, no caso o de visita à família. “É o juízo de execuções criminais que deverá avaliar, em cada caso, a pertinência e a razoabilidade da pretensão, observando os requisitos objetivos e subjetivos do paciente”, afirmou a ministra relatora.



Segundo Ellen Gracie, informações do juiz de direito da Vara das Execuções Criminais do Rio de Janeiro dão conta de que o apenado obteve progressão, mas só obterá lapso temporal para livramento condicional em 13/06/2019, estando o término de sua pena previsto para 2026. O juiz considerou “temerária” a concessão do benefício, tendo em vista o requisito previsto no inciso III do artigo 123 da Lei de Execuções Penais, que preceitua a necessidade de análise da compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.



O juiz justificou sua decisão afirmando que “a reprimenda penal possui como objetivo precípuo, além do caráter de prevenção geral e repressão a prática de crimes, a ressocialização do indivíduo visando torná-lo adaptado ao convívio em sociedade, dissuadindo-o da prática de condutas perniciosas a terceiros e aos bens relevantes juridicamente tutelados na esfera penal”.



A ministra Ellen Gracie citou trecho da decisão do juiz no sentido de o indeferimento da visita periódica ao lar (VPL) não representar a transformação do regime semiaberto em fechado. A ministra relatora acrescentou que para que o STF reverter esta decisão, seria necessário rever fatos e provas, o que não é possível em sede de habeas corpus. “O pedido de visitas temporárias ao lar exige essa análise”, afirmou.



Ao acompanhar a relatora, o ministro Celso de Mello afirmou que o ingresso no regime penal semiaberto é apenas o pressuposto que pode, eventualmente, legitimar a concessão das autorizações de saída, em qualquer de suas modalidades – permissão de saída ou saída temporária –, mas não garante, necessariamente, o direito subjetivo à obtenção desse benefício”, concluiu. A decisão foi unânime.



VP/CG

terça-feira, 22 de junho de 2010

HC sustenta “adequação social” para pedir absolvição de donos de casa de prostituição

Segunda-feira, 21 de junho de 2010




Sob alegação de que “a tolerância social e ausência de dano ou de perigo de dano a valores da comunidade tornam atípica a conduta de manter casa de prostituição”, a Defensoria Pública da União (DPU) pede liminar no Habeas Corpus (HC) 104467, para manter a absolvição de A.F.M. e J.S., donos de uma casa de shows na cidade praiana de Cidreira (RS), denunciados pelo crime previsto no artigo 229 do Código Penal (CP).



Os donos do estabelecimento foram absolvidos em primeiro grau e, também, pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas o Ministério Público estadual (MPE) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou ao juiz de primeiro grau que redija outra sentença. Recurso de agravo regimental interposto pela defesa dos empresários contra essa decisão teve provimento negado pela Corte Superior.



No HC impetrado no Supremo, a DPU pede a suspensão, em caráter liminar, da decisão do STJ até decisão final do HC. No mérito, pede que seja confirmada essa decisão.



Prós e contras



Ao absolver A.F.M. e J.S., o juiz de primeiro grau fundamentou-se no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o juiz pode absolver o réu, quando o fato de que ele é acusado não constituir infração penal.



O juiz explicitou seu entendimento ao observar que, “embora tipificada, a conduta dos réus, quando envolve prostituição de maiores, vem sendo descriminalizada pela jurisprudência, em virtude da liberação de costumes”.



No mesmo sentido se pronunciou o TJ-RS. “Inviável a condenação dos acusados por esse crime, pois, conforme entendimento jurisprudencial, viável a aplicação do princípio da adequação social, que torna o fato materialmente atípico”, observou o tribunal, em seu acórdão.



“Assim, embora certa a autoria do delito, a absolvição dos réus deve ser mantida, pois o fato não ofende a moralidade pública, tratando-se de conduta aceita pela sociedade atual, inexistindo, portanto, justificativa para manter a criminalização dessa situação”.



Ao determinar a prolação de nova sentença, o STJ lembrou que aquela Corte “firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal”.



Adequação social



Em defesa dos donos do estabelecimento, a DPU invoca o princípio da adequação social, concebido pelo jurista e filósofo do direito alemão Hans Welzel. Os defensores públicos adotam o entendimento de que, apesar de uma conduta se subsumir ao tipo penal, é possível deixar de considerá-la típica quando socialmente adequada, isto é, quando estiver de acordo com a ordem social.



“Realce-se ser inegável que a sociedade evoluiu, sobremaneira, no que se refere ao pudor e à quebra de paradigmas atinentes à conduta sexual”, afirma a DPU. “Noutras palavras, verifica-se um menor nível de censura relacionado à existência de casas de prostituição. Em síntese, o senso comum indica que o corpo social, majoritariamente, tolera a existência delas”.



A Defensoria destaca, porém, que desse entendimento estão nitidamente excepcionadas, em jurisprudência firmada pelo STJ, as hipótese de exploração sexual de crianças e adolescentes (artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), o rufianismo (artigo 230 do CP) e o favorecimento da prostituição (artigo 228 do CPP), “em relação aos quais a sociedade expressa total repugnância”.



Concluindo suas alegações, a DPU sustenta que, “embora ainda figure no Código Penal vigente – este dos idos de 1940 –, a conduta a que se refere o seu artigo 229 (casa de prostituição) deixou de ser vista à conta de delituosa. E deixou de sê-lo porque se trata de um conceito moral reconhecidamente ultrapassado que já não tem mais como se sustentar nos dias atuais”.



O HC 104467 tem como relatora a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O que é DEMOCRACIA!

ALTERGLOBALIZAÇÃO

O que é, afinal, a democracia? 1

É preciso questionar a democracia para podermos reiventá-la e não permitir que seja pervertida pelo poder econômico e financeiro que não é nem eleito pelo voto popular nem controlado pelos cidadãos



José Saramago

Em seu livro Política2, Aristóteles começa por nos dizer o seguinte: “Na democracia, os pobres são reis porque são mais numerosos e porque a vontade da maioria tem a força da lei”. Numa segunda passagem, ele parece começar por restringir o alcance dessa primeira frase, em seguida o amplia, completando-o e terminando por estabelecer um axioma: “A eqüidade, no âmbito do Estado, exige que os pobres não detenham, de forma alguma, mais poder do que os ricos, que não sejam os únicos soberanos, mas que todos os cidadãos o sejam em proporção a seu número. Estão aí as condições indispensáveis para que o Estado garanta com eficácia a igualdade e a liberdade.”

Aristóteles nos ensina que os ricos, ainda que participem com toda legitimidade democrática do governo da Polis, continuarão sendo sempre uma minoria devido a uma proporcionalidade incontestável. Por um lado, ele está certo: desde os tempos mais remotos que possamos evocar, os ricos nunca foram mais numerosos que os pobres. Apesar disso, os ricos sempre governaram o mundo, ou manipularam as pessoas que o governavam. Mais do que nunca, essa é uma constatação atual. Note-se, de passagem, que, para Aristóteles, o Estado representa uma forma superior de moralidade...

O obstáculo de Roma

Qualquer manual de direito constitucional nos ensina que a democracia é “uma organização interna do Estado por meio da qual a origem e o exercício do poder político cabe ao povo, permitindo essa organização ao povo governado que também governe, através de seus representantes eleitos”. Aceitar definições como essa, de tal pertinência que quase se confunde com as ciências exatas, corresponderia, quando transpostas para nossa era, a não levar em conta a infinita graduação de estados patológicos com os quais, a qualquer momento, nosso corpo pode ser confrontado.

Em outras palavras: o fato de que a democracia possa ser definida com muita precisão não significa que ela realmente funcione. Uma breve incursão na história das idéias políticas leva a duas observações, muitas vezes relegadas sob o pretexto de que o mundo muda. A primeira para lembrar que a democracia surgiu em Atenas, por volta do século V antes de Cristo; ela pressupunha a participação de todos os homens livres no governo da cidade; baseava-se na forma direta e os cargos eram efetivos, ou atribuídos, por meio de um sistema misto de sorteio e de eleição; e os cidadãos tinham o direito de voto e o de apresentar propostas nas assembléias populares.

É, no entanto - esta é a segunda observação - em Roma, a sucessora dos gregos, é que o sistema democrático não conseguiu se impor. O obstáculo veio com o poder econômico colossal de uma aristocracia latifundiária que via na democracia um inimigo direto. Apesar do risco de qualquer tipo de extrapolação, seria possível deixar de questionar se os impérios econômicos contemporâneos não seriam também adversários radicais da democracia, ainda que mantenham as aparências?

Abdicação cívica

As instâncias do poder político tentam desviar nossa atenção do óbvio: dentro do próprio mecanismo eleitoral, encontram-se em conflito uma opção política, representada pelo voto, e uma abdicação cívica. Não é fato que, no momento exato em que a cédula é introduzida na urna, o eleitor transfere para outras mãos – sem qualquer contrapartida, salvo promessas feitas durante a campanha eleitoral – a parcela de poder político que detinha até então enquanto membro da comunidade de cidadãos?

O papel de advogado do diabo que assumo pode parecer imprudente. Mais um motivo para que examinemos o que vem a ser a nossa democracia e qual a sua utilidade, antes de pretendermos – uma obsessão de nossa época – torná-la obrigatória e universal. Essa caricatura de democracia que, como missionários de uma nova religião, procuramos impor ao resto do mundo não é a democracia dos gregos, mas um sistema que os próprios romanos não teriam hesitado em impor em seus territórios. Este gênero de democracia, deteriorado por mil parâmetros econômicos e financeiros, teria conseguido, sem dúvida alguma, mudar a opinião dos latifundiários do Lácio, que se teriam tornado os mais ferrenhos dos democratas...

Pode passar pelo espírito de alguns leitores uma desagradável suspeita sobre minhas convicções democráticas, tendo em vista minhas notórias posições ideológicas3... Defendo a idéia de um mundo verdadeiramente democrático que se tornaria realidade dois mil e quinhentos anos depois de Sócrates, Platão e Aristóteles. Essa quimera grega de uma sociedade harmoniosa, que não se dividiria em senhores e escravos, tal como a concebem os cândidos espíritos que ainda acreditam na perfeição.

A vontade política e o voto

Poderão dizer: mas as democracias ocidentais não são censitárias4, nem racistas e o voto do cidadão rico e branco tem o mesmo valor nas urnas que o do cidadão pobre e de pele morena. Se confiássemos em tais aparências, teríamos atingido o supra-sumo da democracia.

Sob o risco de diminuir essas paixões, eu diria que as realidades brutais do mundo em que vivemos tornam ridículo esse cenário idílico e que, de uma ou de outra maneira, acabaremos por cair num organismo autoritário dissimulado sob os mais belos paramentos da democracia.

O direito de voto, por exemplo, expressão de uma vontade política, também é um ato de renúncia a essa mesma vontade, pois o eleitor a delega a um candidato. O ato de votar, pelo menos para uma parcela da população, é uma forma de renúncia temporária à ação política pessoal, discretamente adiada até as eleições seguintes, quando os mecanismos de delegação de poder voltarão ao ponto de partida para tudo recomeçar de novo.

Vínculos reveladores

Essa renúncia pode constituir, para a minoria eleita, o primeiro passo de um mecanismo que muitas vezes autoriza, apesar das vãs esperanças dos eleitores, a determinação de objetivos que nada têm de democráticos e podem até ser autênticas ofensas à lei. Em princípio, não ocorreria a ninguém eleger como representantes no Parlamento pessoas corruptas, ainda que a triste experiência nos ensine que as altas esferas do poder, no plano nacional e internacional, são ocupadas por criminosos desse tipo ou por seus representantes. Nenhum exame ao microscópio dos votos depositados nas urnas permitiria tornar visíveis os vínculos reveladores das relações entre os Estados e os grupos econômicos cujas ações ilícitas – até de guerra – conduzem nosso planeta rumo à catástrofe.

A experiência confirma que uma democracia política que não se baseia numa democracia econômica e cultural de pouco adianta. Desprezada e relegada a ser o depositário de fórmulas obsoletas, a idéia de uma democracia econômica deu lugar a um mercado triunfante que beira a obscenidade. E a idéia de uma democracia cultural foi substituída por uma massificação industrial das culturas, não menos obscena, um pseudo-caldeirão que serve apenas para mascarar a predominância de algumas delas.

Democracia paralisada

Pensávamos ter avançado, mas, na realidade, recuamos. Falar de democracia se tornará cada vez mais absurdo se nos obstinarmos em identificá-la com instituições que respondem por partidos, parlamentos ou governos, sem proceder a um exame do uso que estes últimos fazem do voto que lhes permitiu o acesso ao poder. Uma democracia que não faz autocrítica está condenada à paralisia.

Não concluam que sou contra a existência de partidos: sou militante de um deles. Nem pensem que abomino parlamentos: eu os apreciaria mais se se dedicassem mais à ação do que à palavra. E também não imaginem que sou o inventor de uma receita mágica que permitirá aos povos que vivam felizes sem governos. O que me recuso a admitir é que só seja possível governar e desejar ser governado segundo os modelos democráticos vigentes, incompletos e incoerentes.

Qualifico-os assim porque não vejo outra forma de designá-los. Uma verdadeira democracia que, como um sol, inundasse todos os povos com sua luz, deveria começar pelo que temos à mão, ou seja, o país em que nascemos, a sociedade em que vivemos, a rua em que moramos.

Se essa condição não for respeitada – e não o é – todos os raciocínios acima citados – ou seja, o fundamento teórico e o funcionamento experimental do sistema – serão viciados. Purificar as águas do rio que atravessa a cidade de nada adiantará, se o foco da contaminação se encontra na nascente.

Eleição sem transformação

A questão principal que se coloca para qualquer tipo de organização humana, desde que o mundo é mundo, é a do poder. E o principal problema é o de identificar quem o detém, de verificar por que meios o conseguiu, o uso que dele faz, os métodos que utiliza e quais são suas ambições.

Se a democracia realmente fosse o governo do povo, para o povo e pelo povo, terminaria o debate. Mas não é esse o caso. E só um espírito cínico se arriscaria a afirmar que o mundo em que vivemos vai às mil maravilhas.

Também se diz que a democracia é o menos ruim dos sistemas políticos e ninguém ressalta que essa constatação resignada de um modelo que se contenta em ser “o menos ruim” pode constituir um freio à busca por algo de “melhor”.

O poder democrático é, por sua natureza, sempre provisório. Depende da estabilidade das eleições, do fluxo das ideologias e dos interesses de classe. É possível ver nele uma espécie de barômetro orgânico que registra as variações da vontade política da sociedade. Porém, de maneira flagrante, só se computam as alternâncias políticas aparentemente radicais, que resultam em mudanças de governo, mas que não são acompanhadas por transformações sociais, econômicas e culturais tão fundamentais quanto o resultado da eleição faria supor.

Operação estética barata

Na realidade, chamar um governo “socialista”, ou “social-democrata”, ou ainda “conservador”, ou “liberal”, e denominá-lo “poder” não passa de uma operação estética barata. Trata-se de fingir dar nome a algo que não está ali, onde querem nos fazer crer que esteja. Pois o poder, o verdadeiro poder, está em outro lugar: é o poder econômico. É aquele do qual percebemos o contorno em filigrana, mas que nos foge quando tentamos aproximar-nos e contra-ataca se entende que desejamos limitar sua influência, submetendo-o às regras do interesse geral.

Em termos mais claros: os povos não elegeram seus governos para que estes os “ofereçam” ao mercado. Mas o mercado condiciona os governos para que estes lhe “ofereçam” seus povos. Em nossa época de globalização liberal, o mercado é o instrumento por excelência do único poder digno desse nome: o poder econômico e financeiro. Este não é democrático, pois não foi eleito pelo povo, não foi gerado pelo povo e, principalmente, não tem por objetivo a felicidade do povo.

Governo dos ricos

Aqui, apenas enuncio verdades elementares. Os estrategistas políticos, de toda e qualquer filiação partidária, impuseram um silêncio prudente para que ninguém ousasse insinuar que continuamos cultivando a mentira e aceitamos ser seus cúmplices.

O chamado sistema democrático parece, cada vez mais, um governo dos ricos e, cada vez menos, um governo do povo. Impossível negar o óbvio: a massa de pobres convocada a votar jamais é chamada a governar. Na hipótese de um governo formado pelos pobres, em que estes representassem a maioria – como Aristóteles o imaginou, em sua Política –, eles não disporiam de meios para modificar a organização do universo dos ricos, que os dominam, os vigiam e os oprimem.

A pretensa democracia ocidental entrou numa etapa de transformação retrógrada que ela é incapaz de deter e cujas conseqüências previsíveis serão sua própria negação. Não é necessário que alguém assuma a responsabilidade de liquidá-la; ela própria se suicida diariamente.

O tabu da democracia

O que fazer? Reformá-la? Sabemos que reformar, como bem disse o autor do Il Gattopardo5 , nada mais é do que mudar o necessário para que nada mude. Renová-la? Que época do passado teria sido suficientemente democrática para que valesse a pena a ela retornar para, a partir dali, reconstruir com novos materiais aquilo que estivesse no caminho da perdição? A da antiga Grécia? A das repúblicas mercantis da Idade Média? A do liberalismo inglês do século XVII? A do século do Iluminismo francês? As respostas seriam tão fúteis quanto as perguntas...

O que fazer então? Paremos de considerar a democracia como um valor adquirido, definido de uma vez por todas e intocável para sempre. Num mundo em que estamos habituados a debater qualquer assunto, um único tabu persiste: a democracia. Salazar (1889-1970), o ditador que governou Portugal por mais de quarenta anos, afirmava: “Não se questiona Deus, não se questiona a pátria, não se questiona a família”. Nos dias de hoje, Deus é questionado, a pátria é questionada e, se não questionamos a família, é porque ela própria se encarrega de fazê-lo. Mas não se questiona a democracia.

Então, digo: questionemos a democracia em todos os debates. Se não encontrarmos um meio de a reinventar, não perderemos apenas a democracia, mas a esperança de ver um dia os direitos humanos respeitados neste planeta.. Isso seria o fracasso mais estrondoso de nossos tempos, o sinal de uma traição que marcaria a humanidade para sempre.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Nota da Redação: Como não recebemos a versão original deste artigo, o texto que aqui publicamos é uma tradução da versão espanhola para o português do Brasil.

2 - Pode ser consultada a edição francesa, La politique, ed. Vrin, tradução de J. Tricot, Paris, 1982.

3 - José Saramago é filiado ao Partido Comunista português.

4 - N.T.: No império romano, o cidadão deveria pagar o censo para ser eleitor ou elegível.

5 - Romance póstumo do escritor siciliano Giuseppe Tommasi di Lampedusa (1896-1957), publicado em 1958, com edição francesa, de 1959, pela editora Seuil, Paris. É atribuída a Lampedusa a célebre frase: “É preciso mudar tudo para que nada mude.”





março 2002



CULTURA

A justiça, a democracia e os sinos

“E contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica”



José Saramago

Impossibilitado de comparecer a Porto Alegre, ao II Forum Social Mundial, o escritor português enviou este texto, cuja leitura marcou a plenária de encerramento

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”, foi a resposta do camponês. “Mas então não morreu ninguém?”, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta.”

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros “comissários políticos” do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas nos açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor



Fonte: http://diplo.org.br/_Jose-Saramago_